A Lógica do Flamingo-Cor-De-Rosa nas águas do Cisne Branco
O pesquisador norte-americano Frank Hoffman (National Defense University) propôs, em 2015, o termo “flamingo-cor-de-rosa” para descrever acontecimentos previsíveis, mas ignorados por problemas de viés cognitivo das lideranças políticas envolvidas por poderosas forças institucionais, que podem resultar em eventos catastróficos.
Tais acontecimentos seriam, em verdade, “bem conhecidos”, mas deliberadamente ignorados pelos formuladores de políticas. Algo como as “surpresas inevitáveis” descritas por Peter Schwartz, ao argumentar que aqueles que não conseguem aprender com as lições da história estão condenados a ser surpreendidos por elas.
Dessa forma, os “flamingo-cor-de rosa” seriam eventos bastante diversos dos descritos na teoria dos “cisnes negros”, difundida por Nassim Nicholas Taleb (Polytechnic Institute of New York University) para explicar eventos imprevisíveis, altamente impactantes e de resultados completamente imprevisíveis.
Mas, esse tipo de evento e suas trágicas consequências apontam um problema para os formuladores de estratégias similar ao colocado pelos “cisnes negros”: não basta apenas pensar o passado recente buscando soluções no contexto de doutrinas e práticas obsoletas do passado, planejando condições ideais ou inimigos convenientes; é preciso uma visão de longo prazo da história e olhar para a frente um mundo cada vez mais complexo, no qual as mudanças tecnológicas, sociais, ambientais e econômicas produzem novos contextos, cada vez com maior velocidade.
Um componente chave desse aumento de complexidade pode ser entendido quando visitamos a ideia de “quase solução” proposta por Eugene Schwartz (MIT). A solução de um problema, a maior parte das vezes com a implementação de uma nova técnica ou tecnologia, traz sempre consigo alguns efeitos colaterais imprevistos e indesejáveis, que com o passar do tempo, se tornam novos problemas a serem resolvidos, gerando um círculo vicioso em que os problemas aumentam em quantidade e complexidade, numa teia cada vez mais confusa e intrincada, exigindo novas soluções técnicas.
É aí que Hoffman aponta para o que considera um erro da estratégia norte-americana de defesa, com o que chama de “otimismo da tecnologia” pelo deslocamento prematuro de sistemas robóticos autônomos, ou abordagens desequilibradas do ponto de vista tecnológico, gerando riscos sem benefícios.
O futuro é incerto e surpreendente, e nossas previsões muitas vezes se mostram incompletas ou incorretas. As reviravoltas repentinas da história, trazidas por “flamingos-cor-de-rosa” ou “cisnes negros” exigem que os elaboradores de estratégias e políticas estejam alertas para suas fraquezas em habilidades preditivas e seus conceitos arraigados que criem uma “cegueira estratégica”. É preciso elaborar estratégias robustas mantendo princípios de “arrependimento mínimo” com considerável flexibilidade e adaptabilidade. Técnicas tradicionais de planejamento, como “red teams” ou análises alternativas de inteligência podem ser mais úteis para enxergar o trivial do curto prazo e o essencial no longo prazo (permitindo o ataque à causas e não sintomas) do que simplesmente o aumento do emprego de plataformas tecnológicas cada vez mais caras e o corte de forças de propósito geral para o enfrentamento de cenários canônicos ou “inimigos adequados”. Hoffman propõe então cinco princípios para a estratégia de defesa:
1. O Planejamento da Força deve abraçar a incerteza;
2. O Planejamento da Força deve ser estrategicamente conduzido;
3. O Planejamento da Força deve ser informado dos riscos inerentes;
4. O Planejamento da Força deve enfatizar a versatilidade sobre a adaptabilidade;
5. O Planejamento da Força deve garantir seu equilíbrio e qualidade.
Um exemplo de “flamingo-cor-de rosa” nos é apresentado por David Barno e Nora Bensahel (School of International Service at American University), quando afirmam que uma possível guerra nuclear entre a Índia e o Paquistão seria muito menos improvável do que poderíamos pensar, podendo ser disparada por um evento similar ao ataque terrorista ocorrido em Mumbai no ano de 2008.
Isto porque a estabilidade na crise entre os dois países enfrentaria seu maior desafio nos últimos anos, com o Paquistão considerando uma resposta nuclear tática de curto alcance como uma possível primeira opção de resposta a um ataque indiano de forças convencionais maiores e mais bem armadas e preparadas.
Índia e Paquistão são países hostis que dividem uma fronteira de quase 3.000km, no único lugar do mundo onde países com armamento nuclear se enfrentam em escaramuças praticamente todos os dias, na disputada região da Caxemira.
Podemos ainda somar a esse quadro o risco dessas armas serem tomadas por grupos extremistas dada a situação de permanente convívio e movimentação desses grupos em solo paquistanês.
Apesar de ambos os países não serem afeitos a interferências externas na mediação desse conflito e do pouco que uma potência externa possa fazer para solucioná-lo, os pesquisadores propõem que os norte-americanos busquem, em primeiro lugar, publicizar a questão de que o risco de uma guerra nuclear entre os dos países é crescente, de forma a mobilizar a comunidade internacional para a questão e, segundo, buscar dialogar com as autoridades civis e militares do Paquistão sobre os sérios riscos de considerar uma guerra nuclear tática em uma “escala aceitável”. Deve ainda considerar as estratégias para uma possível escalada do conflito.
A climatologista Judith Curry (National Research Council's Climate Research Committee) aponta para outro tema que considera um claro “flamingo-cor-de-rosa”: as mudanças climáticas.
Para Curry, embora esteja claro que uma mudança no clima esteja em andamento, uma discussão estéril sobre as origens antropogênicas ou não do problema levariam a uma análise enviesada de curto prazo, desconsiderando o conhecimento acumulado a centenas de anos sobre variabilidade climática.
Não bastaria apenas elaborar políticas sobre emissões de carbono que, mesmo que fossem efetivamente implantadas, poderiam ter resultado limitado. As propostas de geo-engenharia levantadas até agora não parecem promissoras e podem trazer diversas consequências negativas (quase soluções).
Necessitamos de uma discussão séria que inclua a análise de cenários diversos e robustos na busca de soluções flexíveis e adaptáveis e não apenas buscar a assinatura de documentos com propostas que caiam no gosto da opinião pública, mas não sejam efetivas ou implementáveis, não esquecendo dos desdobramentos sociais, econômicos e de defesa que tais alterações irão trazer.
Outro ponto de vista interessante é o do pesquisador Daniel Gouré (Lexington Institute). Ele propõe que um “cisne negro” pode se transformar num “flamingo-cor-de-rosa” dando como exemplo as recentes ações do líder russo Vladimir Putin: embora os serviços de inteligência não tenham previsto, a anexação da Crimeia, a atuação na guerra civil da Ucrânia ou a derrubada de um avião da Malaysia Airlines seriam exemplos claros de “cisnes negros”. Entretanto, quando postos em contexto em uma visão histórica, apontam para uma linha de eventos que mostram o modus operandi de Putin, em seu desafio ao poder e unidade da aliança do ocidente como um “flamingo-cor-de-rosa”, antevendo a ação direta na Rússia na Síria e talvez, um novo movimento em direção aos países Bálticos, Geórgia ou Cazaquistão, a fim de “garantir a segurança das etnias russas”.