Índice de Direitos Humanos

A dignidade da pessoa humana e a ordem jurídica

Considerações gerais:

A dignidade da pessoa humana tem sido considerada por muitas áreas do saber humano, tais como a Filosofia, a Ética, a Política e o Direito, como o ponto central de construção de todo o ordenamento jurídico e do próprio Estado.

Ela é vista até mesmo com um valor suprajurídico, isto é, para além do Direito e da Constituição, já que seria a dignidade um valor ínsito do ser humano. E, desta maneira, a dignidade trata diretamente da essência do ser humano.

É, portanto, esse seu caráter supraconstitucional que permite, inclusive, que possamos sustentar sua efetividade independentemente da sua positivação (isto é, seu reconhecimento pelo direito, através de uma norma jurídica, quer seja ela lei ou mesmo uma norma constitucional).

Falar de dignidade humana é falar do outro, é falar de direitos, é falar de democracia, é falar de cidadania.

Para as sociedades atuais, a dignidade da pessoa humana coloca uma série de desafios a serem enfrentados, assegurando a todas as pessoas uma vida decente: com respeito, igualdade e liberdade, com acesso aos bens necessários para a realização do projeto de vida de cada um e que leve, enfim, à felicidade. Assim, a dignidade se articula com a própria possibilidade de existir com decência no mundo para nele viver em plenitude.

No entanto, a vida em sociedade é marcada por desigualdades materiais e carências sociais, pois, ainda que expresso de forma simplista, há mais pessoas do que bens disponíveis, isto é, não é possível o acesso igual de todos a todos os recursos disponíveis: aí se coloca o dilema da dignidade humana.

A construção histórica da dignidade humana

A ideia de dignidade humana não é uma invenção do século XX. Os estudiosos do tema apontam que, já na Antiguidade Grega, havia um movimento de valorização da pessoa humana. Também entre os orientais a pessoa humana tinha seu destaque. Confúcio, partidário de uma ideia de aperfeiçoamento do ser, em detrimento da caridade pura, já pregava ame a todos sem distinção. Posteriormente, com o advento do Cristianismo, a figura do ser humano, à imagem e semelhança de Deus, inspirava uma relação de reconhecimento de si no outro. O fundamento da dignidade morava no divino.

Confúcio
Foi o mais famoso filósofo e pensador político da China e viveu entre 552 e 479 a.C. Confúcio não deixou nenhuma obra escrita, mas seus discípulos coletaram pequenos provérbios do mestre, além de diálogos com ele, e os reuniram em um texto intitulado Lun Yu ("Os Analectos"). A herança que o filósofo deixou para o mundo oriental vai muito além disso. "O confucionismo é a base da ética empresarial japonesa. Também em alguns dos chamados Tigres Asiáticos, como Coréia do Sul e Cingapura, ele é promovido como sistema filosófico a encorajar o desenvolvimento econômico", afirma o historiador Ricardo Gonçalves, da USP. Isso porque os pensamentos de Confúcio pregavam, por exemplo, a importância da educação para melhorar a sociedade, com destaque à construção do caráter e não apenas ao acúmulo de conhecimentos.

Saltando no tempo, é com o Iluminismo que, no Ocidente, a dignidade da pessoa humana passa a derivar da razão, daí decorrendo a criação de vários documentos emblemáticos para o marco do respeito à dignidade humana, como por exemplo, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, resultado da Revolução Francesa.

Iluminismo
Também conhecido como Século das Luzes e como Ilustração, foi um movimento cultural da elite intelectual europeia do século XVIII, que procurou mobilizar o poder da razão, a fim de reformar a sociedade e o conhecimento herdado da tradição medieval. Abarcou inúmeras tendências e, entre elas, buscava-se um conhecimento apurado da natureza, com o objetivo de torná-la útil ao homem moderno e progressista. Promoveu o intercâmbio intelectual e foi contra a intolerância da Igreja e do Estado. Seus ideais políticos influenciaram a Declaração de Independência dos Estados Unidos, a Carta dos Direitos dos Estados Unidos, a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão e a Constituição Polaco-Lituana de 3 de maio de 1791.
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
Inspirada nos pensamentos dos iluministas, bem como na Revolução Americana (1776), a Assembleia Nacional Constituinte da França revolucionária aprovou em 26 de agosto de 1789 e votou definitivamente a 2 de outubro a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sintetizados em 17 artigos e um preâmbulo dos ideais libertários e liberais da primeira fase da Revolução Francesa (1789-1799). Pela primeira vez, são proclamados as liberdades e os direitos fundamentais do homem de forma econômica, visando abarcar toda a humanidade. Ela foi reformulada no contexto do processo revolucionário em uma segunda versão, de 1793. Serviu de inspiração para as constituições francesas de 1848 (Segunda República Francesa) e para a atual, e também foi a base da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pelas Nações Unidas de 1948.

Kant, na famosa obra "Fundamentação da Metafísica dos Costumes" sustentava que as pessoas deveriam ser tratadas como um fim em si mesmas, e não como um meio (objetos). O filósofo assim dizia:

No reino dos fins,tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade.
Kant
Emmanuel Kant (1724-1804) foi um filósofo alemão, considerado um dos maiores da história e dos mais influentes no Ocidente. Kant veio de família pobre e foi criado no seio da religião protestante. Lecionou geografia e iniciou a carreira universitária ensinando Ciências Naturais. Em 1770, foi nomeado professor catedrático na Universidade de Königsberg. [...] Sua obra, Crítica da Razão Pura, visava colocar todas as questões sob análise racional, sem a confusão que os sentidos poderiam causar para uma conclusão mais cuidadosa. Tentou, então, resolver o problema do conhecimento racional e empírico, pois não concordava que a experiência sensível era limitada. Kant achava que as verdades universais poderiam ser encontradas a priori, ou seja, antes de qualquer experiência. Assim, para Kant, o espírito ou a razão modelava e coordenava as sensações, sendo as impressões dos sentidos externos apenas matéria-prima para o conhecimento. Kant negava que existia uma verdade última ou a natureza íntima das coisas. Por isso, propôs uma espécie de código de conduta humano, surgindo daí, ideias para outra obra famosa, o seu livro A crítica da Razão Prática, que funcionaria como leis éticas que regeriam os seres humanos. A estas leis, deu o nome de Imperativo Categórico.

São as noções de Kant que fixaram as bases da compreensão moderna da dignidade humana fixando sua relação com os direitos humanos e que até hoje se colocam como, de certa forma, pertinentes.

Há duas dimensões do pensamento kantiano que merecem destaque:

  • A ideia de finalidade, isto é, o homem, por ser dotado de razão, é um fim em si mesmo.
Finalidade em Kant
Estabelece que o homem é um fim em si mesmo, e assim, não pode servir de meio para a consecução de algum outro objetivo, isto é, o ser humano não pode ser instrumentalizado. Nas palavras de Kant “a vontade é concebida como a faculdade de se determinar a si mesmo a agir em conformidade com a representação de certas leis. Ora aquilo que serve à vontade de princípio objetivo da sua autodeterminação é o fim (Zweck), e este, se é dado pela só razão, tem de ser válido igualmente para todos os seres racionais.”
  • A ideia de autonomia, isto é, a vontade humana deve estar direcionada para o dever de estabelecer parâmetros de moralidade que sirvam para todos, inclusive para ela mesma, não porque se busca uma vantagem futura, mas sim porque esta é a dignidade do ser dotado de razão.
Autonomia em Kant
A autonomia é o principio supremo da moralidade. E a vontade deve ser autônoma, quando: a) ela puder universalizar a regra que ditou a ação individual, isto é, deve valer para todos; b) quando ela mesma estiver sujeita à regra universal que criou. Kant explicava que “O homem, e, de uma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ter considerado simultaneamente como fim”.

Devemos ter em mente que a compreensão da dignidade que hoje temos não equivale ao que se pensava em épocas passadas, já que os contextos históricos e culturais são distintos. Assim, embora a dignidade decorra da existência da própria pessoa, ela hoje está associada à ideia de condição humana que se desenha pela e na História, afastando de certa forma sua derivação do Direito Natural.

Condição Humana
A condição humana é uma expressão muito associada à filósofa Hannah Arendt. Ao começar sua obra, “A condição humana”, ela alerta que: a “condição humana não é a mesma coisa que natureza humana. A condição humana diz respeito às formas de vida que o homem impõe a si mesmo para sobreviver. São condições que tendem a suprir a existência do homem. As condições variam de acordo com o lugar e o momento histórico do qual o homem é parte. Nesse sentido, todos os homens são condicionados, até mesmo aqueles que condicionam o comportamento de outros tornam-se condicionados pelo próprio movimento de condicionar. Sendo assim, somos condicionados por duas maneiras: 1. Pelos nossos próprios atos, aquilo que pensamos, nossos sentimentos, em suma, os aspectos internos do condicionamento. 2. Pelo contexto histórico que vivemos, a cultura, os amigos, a família; são os elementos externos do condicionamento”.
Direito Natural
“O direito natural tem como pontos principais em sua doutrina a ideia de que existe um direito comum a todos os homens e que o mesmo é universal. Este direito é anterior ao direito positivo, que é aquele fixado pelo Estado, e todos os homens o recebem de forma racional. Suas principais características, segundo Norberto Bobbio, são a universalidade, a imutabilidade e seu conhecimento através da própria razão do homem”. Segundo o mesmo autor, “os comportamentos regulados pelo direito natural são bons ou maus por si mesmos e estabelecem aquilo que é bom”.

Entretanto, de toda forma, a dignidade humana é saudada como o motor do progresso civilizatório, que uniria a humanidade em torno de uma grande causa comum, como veremos ao avançar em nossos estudos e pensarmos, especialmente, no Direito Internacional dos Direitos Humanos.

A problemática conceitual de Dignidade Humana e sua relação com os direitos humanos

A dignidade humana é uma daquelas expressões chamadas de polissêmicas. Isto quer dizer que ela é portadora de muitos sentidos diferentes, sendo um desafio estabelecer um sentido único para a mesma.

Assim, dignidade humana quer (e pode) dizer respeito a muitas coisas diversas, em razão do sentido que lhe é atribuído e dos interesses que se busca preservar ou defender quando a ela recorremos.

Essa ausência de sentido único faz com que a dignidade da pessoa humana seja marcada por ambiguidades de sentidos, precisando de um esforço de interpretação maior para definir seu alcance e conteúdo.

Entretanto, ainda que a dignidade humana possa ser etiquetada como uma cláusula aberta, podemos fazer aqui alguns acordos quanto ao seu sentido.

Cláusula Aberta
Também chamada de norma jurídica indeterminada. Em geral são normas que incorporam um princípio ou valor de origem ética que orientam a aplicação do direito na solução do caso concreto, com o que ampliam a importância da interpretação jurídica e põem em destaque o papel do juiz. Para muitos, seu sentido é situado no tempo e no espaço, já que explicitam um padrão de conduta aceito em certa época e lugar. Em geral, sob o aspecto linguístico, a cláusula aberta pode ser entendida como uma técnica legislativa que adota o uso de formas vagas, formas multissignificativas, que comportam muitos significados, daí chamadas de polissêmicas. Se norma jurídica está prevista em uma cláusula aberta, defere-se ao intérprete e, em última instância ao juiz, a atividade hermenêutica de densificar seu conteúdo, que pode se ajustar e mudar em razão do caso considerado.

O conceito dado por Ingo Wolfgang Sarlet articula a ideia de respeito a todos os seres humanos, independentemente de suas qualidades. Esse respeito é exigido do Estado e da sociedade como um todo, materializando-se em um feixe de direitos e deveres fundamentais que asseguram uma existência minimamente decente, (como, por exemplo, acesso ao saneamento básico, à água potável, dispor de alimentação adequada, etc.) que permita ao ser humano decidir os rumos de sua vida, assegurando sua felicidade e participação na sociedade.

A relação da dignidade humana com os direitos humanos

A despeito da dificuldade semântica já registrada, podemos adotar também uma fórmula para conceituar a dignidade:

Atributo inerente da pessoa humana, pelo simples fato de alguém ser humano.

Desse modo, por existir enquanto ser humano, em uma sociedade plural, automaticamente, esta pessoa se torna merecedora de respeito e proteção, independentemente, de sua origem, etnia, sexo, idade, estado civil, religião, filiação partidária, condição sócio econômica, cultura partilhada, ou de qualquer outro fator de identificação ou diferenciação.

Reconhece-se que a dignidade é um princípio fundamental que emana de todos os humanos, desde a concepção no útero materno, não se vinculando e não dependendo de atribuição de personalidade jurídica ao seu titular para seu reconhecimento.

Princípio Fundamental
(Na Constituição do Brasil) é o termo referente a um conjunto de dispositivos contidos na Constituição brasileira de 1988, destinados a estabelecer as bases políticas, sociais, administrativas e jurídicas da República Federativa do Brasil. São as noções que dão a razão da existência e manutenção do Estado brasileiro. Sendo o Brasil um Estado democrático de direito, os princípios fundamentais se apresentam como os objetivos deste complexo sistema chamado direito.
Personalidade Jurídica
É a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair deveres.

Os direitos humanos se situam na esfera internacional e os direitos fundamentais na ordem interna.

Desse modo, quer sejam direitos humanos ou direitos fundamentais, ambos emanam, decorrem da dignidade humana. Podemos, então, dizer que dignidade é um critério unificador, ao qual todos os direitos humanos/fundamentais se reportam, em maior ou menor grau de adesão ou concretização.

Por outro lado, também se discute se esses direitos poderão ser relativizados, ou não, na medida em que nenhum direito ou princípio se apresenta de forma absoluta, especialmente quando estudamos o conflito ou colisão entre direitos e suas formas de resolução.

A relação da dignidade humana com os direitos humanos/fundamentais gera uma dupla obrigação para o Estado quanto ao que dele se pode exigir: uma de caráter negativo e outra de aspecto positivo.

Caráter Negativo
Inspirado nos ideais liberais, remete a uma noção de proteção, de defesa contra o Estado, determinando que o Estado deve se abster de adotar qualquer medida que possa violar a dignidade humana.

Por exemplo, se não houver ordem judicial, o Estado só pode prender as pessoas em flagrante delito, isto é, se estiverem naquele momento praticando um crime. É o que temos no art. 5º. inciso LXI, da Constituição de 1988, preservando-se, assim, o direito à liberdade:

“LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.”
Aspecto Positivo
Impõe ao Estado um dever de agir jurídica ou faticamente. Em geral, a dimensão positiva irá se traduzir na prestação de um serviço púbico, tal como a educação, a previdência social, a assistência social e a saúde, entre outros. Ela resulta do modelo de Estado social, que tem por finalidade proteger e promover, inclusive materialmente, a dignidade da pessoa humana.

No texto constitucional, temos como exemplo o direito à educação, previsto no Capítulo III da Constituição, regulamentado a partir do art. 205.

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

Ou ainda, como outro exemplo concreto, podemos citar o dever do Estado de prestar assistência social a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, garantindo um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (art. 203, inciso V da Constituição de 1988).

Aspectos jurídico e constitucional do princípio da dignidade humana

A dignidade da pessoa humana, ao ser incorporada à ordem normativa de um país, passa a ostentar um aspecto jurídico que lhe dá todos os atributos que a norma jurídica ostenta, deixando de ser apenas uma indicação ética ou moral cuja adesão do sujeito depende apenas de sua consciência.

Atributos de uma norma jurídica
A norma jurídica é a conduta exigida ou o modelo de organização social imposto. Seus atributos são: vigência, efetividade, eficácia e legitimidade.

A dignidade da pessoa humana como princípio constitucional e a Constituição de 1988

No caso do Brasil, em especial, a dignidade da pessoa humana é uma norma jurídico-positiva de status constitucional e, como tal, dotada de eficácia, sendo, então, capaz de garantir os direitos fundamentais do cidadão.

Logo no art. 1º. Inciso III da Constituição, o princípio da dignidade humana é declarado como um fundamento da República e do Estado Democrático de Direito do Brasil.

Fundamento da República
São chamados, também, de princípios fundamentais e estruturam a existência jurídico-política do Estado Brasileiro. Para Canotilho, os princípios fundamentais visam essencialmente definir e caracterizar a coletividade política e o estado, enumerando as principais opções político constitucionais. Entre nós, estão previstos no art. 1º. da Constituição: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político”.
Estado democrático de Direito
Para o importante doutrinador José Afonso da Silva, o Estado Democrático de Direito, previsto no texto da Constituição de 1988, é um Estado de Direito no qual a democracia deve ser “um processo de convivência social em uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º.II), em que o poder emana do povo, deve ser exercido em proveito do povo diretamente ou por seus representantes eleitos (art. 1º., parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe, assim, o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes na sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício”.

Em outras palavras, é o Estado que passa a servir ao cidadão, como instrumento para a garantia e promoção da dignidade das pessoas individual e coletivamente consideradas.

A proteção da dignidade da pessoa humana como vetor para uma hermenêutica adequada

Ao estudarmos a dignidade humana, percebemos, também, que ela se encontra diretamente relacionada ao tema da hermenêutica. Nesse sentido, dois aspectos merecem atenção: a dimensão principiológica e a questão de seus limites ou restrições.

Hermenêutica
Muitas vezes, é utilizada no Direito como sinônimo de interpretação. Mas hermenêutica também pode ser considerada como o estudo sobre a interpretação. Ao passo que a interpretação pode ser entendida como o esforço lógico-mental para determinar o sentido e alcance de uma norma jurídica.

Direitos Humanos o que são?

Direitos Humanos são direitos de TODAS as pessoas humanas (HOMENS, MULHERES e CRIANÇAS) em TODOS OS LUGARES, sustentam-se na dignidade do ser humano e obrigam os Estados e agentes públicos, protegendo indivíduos e grupos.

Nesse sentido, não podem ser suprimidos, nem negados. São iguais e interdependentes: isto é, nenhum deles é mais importante que os demais e o gozo de qualquer um afeta o gozo dos demais.

Por exemplo, duvidamos que alguém com fome (vítima de violação do direito humano a uma alimentação adequada) possa exercer seu direito de voto de forma adequada, em igualdade de condições com alguém que não passe fome.

Desse modo, os direitos humanos incluem o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre muitos outros. Todos merecem esses direitos, sem discriminação.

Há um uso de outros termos que podem ser, em um primeiro momento, confundidos como sinônimos. Entretanto, cada um deles é reservado para um contexto diferente.

Direitos Humanos
A ONU define os direitos humanos como “garantias jurídicas universais que protegem indivíduos e grupos contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade humana”.

Os direitos humanos são garantidos internacionalmente, juridicamente protegidos e universais. É a expressão que tem uso predominante na ordem jurídica internacional, especialmente nos tratados internacionais.
Direitos Humanitários
Dizem respeito aos direitos humanos considerados em contextos de guerra. Fazem parte do chamado Direito Internacional Humanitário. Alguns autores consideram que os direitos humanitários são desdobramentos dos direitos humanos.
Direito Internacional Humanitário ou Direito dos Conflitos Armado. É um ramo do Direito Internacional Público constituído por todas as normas convencionais ou de origem consuetudinária especificamente destinadas a regulamentar os problemas que surgem em período de conflito armado.
Direitos Fundamentais
Quando os direitos humanos se encontram inseridos na ordem jurídica interna são chamados de direitos fundamentais. Eles podem estar previstos na Constituição ou mesmo em leis esparsas. No Brasil, se encontram previstos no texto da Constituição Federal, especialmente no art. 5º. da Constituição de 1988.

“Art. 5º, caput da CF: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]”

Normalmente, são estudados como parte temática do Direito Constitucional e a doutrina contemporânea tem se esforçado em identificar uma “teoria dos direitos fundamentais”.

Podemos dizer que os direitos fundamentais são o núcleo inviolável de uma sociedade, voltados para assegurar e proteger a dignidade da pessoa humana, com o que não basta apenas seu reconhecimento formal nos instrumentos normativos, mas devem ser materialmente efetivados pelo Poder Público.
Garantias
A expressão “garantias” muitas vezes acompanha os direitos humanos e fundamentais, inclusive na Constituição de 1988 são tratados em conjunto. Contudo, a ideia de garantia propõe a noção de instrumentos, de proteção.

Os direitos humanos, como hoje são compreendidos, são resultado de um processo histórico que, ao longo do tempo, vai se sedimentando em avanços e retrocessos nesse tema.

Embora a proposta de geração de direitos tenha sido feita por Karel Vasak em 1979, em uma conferência no Instituto Internacional de Direitos Humanos de Estrasburgo (França), entre nós, a ideia de geração de direitos se tornou muito popular a partir da obra de Norberto Bobbio (1992).

Os direitos humanos (ou fundamentais) são organizados a partir de gerações. Esses direitos são associados a um núcleo de valores comuns, em geral referenciados ao lema da Revolução Francesa:

Liberdade, Igualdade, Fraternidade

Assim, teríamos as três primeiras gerações de direitos da seguinte maneira:

  • 1ª Geração – direitos individuais (liberdades públicas) e direitos políticos;
  • 2ª geração – direitos sociais, econômicos e culturais;
  • 3ª geração – direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Em seguida, de forma controvertida, alguns autores, capitaneados por Paulo Bonavides (1998), sustentam já termos, também, os direitos da 4ª geração que seriam, por exemplo, direito à informação, à democracia, ao pluralismo. Outros até falam em quinta e sexta gerações, surgidas com a globalização, com os avanços tecnológicos (cibernética) e com as descobertas da genética (bioética)...

Os direitos sociais, nos Estados Unidos, não são pacificamente reconhecidos como direitos fundamentais, além existir o problema da adoção da pena de morte em muitos estados membros da Federação norte-americana.

Desse modo, ao invés de gerações, tem sido proposta a sistematização pela noção de dimensões. As dimensões melhor se articulam com a ideia de indivisibilidade, conforme reconhecido pela ONU na Carta de 1948. As dimensões de direitos permitem uma compreensão de interdependência estrutural dos direitos humanos, implicando em uma teia de relações e complementariedade.

Por fim, “o ideal é considerar que todos os direitos fundamentais podem ser analisados e compreendidos em múltiplas dimensões, ou seja, na dimensão individual-liberal (primeira dimensão), na dimensão social (segunda dimensão), na dimensão de solidariedade (terceira dimensão) e na dimensão democrática (quarta dimensão). Não há qualquer hierarquia entre essas dimensões. Na verdade, elas fazem parte de uma mesma realidade dinâmica. Essa é a única forma de salvar a teoria das dimensões dos direitos fundamentais”. (LIMA, 2003)

As características dos DH

Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de cada pessoa, sendo certo que entre eles não há hierarquia.

No que tange as características dos DH, em geral, são apontadas:

A imprescritibilidade

  • O decurso do tempo ou a inércia do seu titular não levam a perda do direito em si (ainda que nos casos de direitos patrimoniais o tempo seja um fator importante, como por exemplo, o usucapião. Mesmo que se perda a propriedade de determinado bem imóvel, não se perde, em tese, o direito de ser proprietário em relação a outros bens).

A inalienabilidade

  • Não se pode alienar a condição humana, logo os direitos que dela decorrem também não o podem. Ainda que se possa alienar direitos patrimoniais, o direito a ter direitos patrimoniais é inalienável.

A irrenunciabilidade

  • São irrenunciáveis pois não se pode abrir mão de sua própria natureza.

A inviolabilidade

  • Não podem ser violados pela ordem jurídica, especialmente no plano interno, por leis infraconstitucionais, nem por atos administrativos de agente do Poder Público, sob pena de responsabilidade civil, penal e administrativa.

A universalidade

  • Alcançam a todos os seres humanos sem distinções.

A interdependência

  • Um direito depende de outro para sua realização, logo estão inter-relacionados, interligados.

Complementaridade

  • Devem ser observados não isoladamente, mas de forma conjunta e interativa com os demais direitos e o próprio ordenamento jurídico;

Historiciedade

  • São construções históricas.

Essencialidade

  • Os direitos humanos são inerentes ao ser humano, tendo por base sua dignidade (aspecto material), assumindo posição normativa de destaque (aspecto formal).

Em síntese, os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas.

Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus direitos humanos; eles podem ser limitados em situações específicas. Por exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma pessoa é considerada culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido processo legal.

Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na prática, a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos outros. Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como de igual importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de cada pessoa.

As limitações e colisões de DH

As limitações e colisões dos direitos humanos têm por pressuposto o fato dos direitos não serem absolutos, o que já se verifica pela existência de um em número de seus titulares.

É possível que o exercício de um direito possa gerar algum ônus para o direito alheio.

Ao se falar em limitações, em geral, estamos tratando de discutir se é possível a imposição de limites ou restrições normativas ao direitos humanos? E, se possível, em que medida essas limitações são legítimas? As crises constitucionais, como estado de sítio e estado de emergência, justificam a restrição?

  • Por um lado, essas limitações podem ser impostas pela própria ordem normativa, sendo aí importante levar em conta o princípio da proporcionalidade como parâmetro para avaliar se a restrição é justificável.
  • Por outro lado, há limitações que são impostas pela existência de outros direitos – que aqui chamaremos de conflito ou colisão de direitos. Por exemplo, a direito de acesso à informação em oposição à privacidade ou intimidade.

Na colisão de direitos, há que se levar em conta a questão da ponderação de valores, no sentido de determinar no caso em concreto qual será o direito que deverá prevalecer em detrimento do outro.

Não é possível que o direito que cede seja esvaziado totalmente, de modo que dele reste um simulacro (a doutrina aqui fala em respeito ao núcleo essencial do direito), já que os direitos humanos não guardam hierarquia entre si e todos eles operam em uma lógica de concorrência, isto é, aplicam-se concomitantemente no caso em concreto, podendo ser exercidos de forma cumulada.

Ademais, a solução de uma colisão de direitos humanos não pode implicar diminuição ou redução da proteção ao direito que vem sendo oferecida pelo ordenamento jurídico e pelo próprio estado. É o que a doutrina chama de princípio da vedação do retrocesso.

Falando de limitações e colisões de direito, é interessante que vejamos na vida real como essas questões podem se dar.

O sistema brasileiro de direitos humanos/fundamentais

O sistema brasileiro de direitos humanos/fundamentais

O sentido da Constituição de 1988;

  • "A Constituição é mais que um documento legal. É um documento com intenso significado simbólico e ideológico – refletindo tanto o que nós somos enquanto sociedade como o que nós queremos ser", nos ensina Flávia Piovesan (2016), ao citar dois autores estrangeiros, Joel Bakan e David Schneiderman.
  • A Constituição de 1988 representa a visão de mundo, de Estado, de sociedade e do cidadão que, pelo exercício do Poder Constituinte, adotamos como rota e destino para nosso país e povo.
  • Como afirma o preâmbulo da Constituição, somos um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.

A ideia de sistema jurídico;

A concepção de direitos fundamentais abrigados pela Constituição;

A concepção de direitos humanos adotada pela Constituição está assentada no valor da dignidade humana – o que significa dizer que há uma valorização dos direitos e garantias fundamentais que funcionam como o eixo axiológico (isto é valorativo) de todo o sistema jurídico brasileiro, que deve, por sua vez, incorporar as exigências de justiça e de valores éticos.

O rol dos direitos constitucionalmente consagrados.

  • No movimento expansivo da dignidade humana, o constituinte recepcionou e organizou os direitos fundamentais da seguinte maneira:
Direitos individuais
Também conhecidos como liberdades públicas, direitos negativos, liberais ou de 1a geração (art. 5o da CRFB/88) - são direitos que apresentam como principais características os indivíduos como titulares e controlar os abusos de poder estatais.
Direitos coletivos e difusos (ou de 3a geração)
Os coletivos caracterizam-se por serem direitos de um grupamento humano com interesses homogêneos, por exemplo o pleito dos sindicatos. Já os difusos são direitos que pertencem a todos, ou seja, não somos capazes de identificar quem são os seus titulares como, por exemplo, o meio ambiente.
Direitos da nacionalidade
Caracteriza-se como vínculo jurídico-político de uma pessoa com o Estado que nos permite dizer que esta pessoa faz parte do povo deste Estado. Ela pode ser de dois tipos: originária, que chamamos de natos, que no Brasil pode ser adquirida pelo critério misto, ou seja, pelo nascimento em nosso território (ius soli) ou pela consanguinidade (ius sangunis) de pai ou mãe brasileiros ou; derivada, que se adquire com um pedido ao governo brasileiro atendendo aos requisitos de se for originário de país de língua portuguesa: ter visto (autorização de permanência regular no Estado Brasileiro) de permanência, residência ininterrupta por um ano e idoneidade moral e, se originário de outro país: visto de permanência, quinze anos de residência ininterrupta e nenhuma condenação penal. (art. 12 da CRFB/88).
Direitos políticos
Segundo Pedro Lenza, “direitos políticos nada mais são do que instrumentos através dos quais a Constituição Federal garante o exercício da soberania popular atribuindo poderes aos cidadãos para interferirem na condução da coisa pública, seja direta ou indiretamente”. Esses direitos são basicamente exercidos pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto. O sufrágio (capacidade eleitoral ativa) determina o direito de eleger e ser eleito (capacidade eleitoral passiva). O voto é um direito público subjetivo que tem como características ser personalíssimo, sigiloso, obrigatório, livre, periódico e igual. Apenas para não confundir, vale lembrar que escrutínio significa a maneira pela qual se vota e que a legislação infraconstitucional referente aos direitos políticos é a Lei 4737/65.
Direitos sociais
São direitos sociais ou de segunda geração, se caracterizam por terem como titulares grupos específicos de pessoas como, por exemplo, crianças, mulheres, trabalhadores etc. Exigem do Estado um fazer, um animus de proteção efetiva na persecução desses direitos a fim de amenizarem as desigualdades sociais.

A cláusula de abertura dos direitos fundamentais

Para além do princípio da aplicabilidade imediata, a Constituição adotou uma cláusula de abertura no que toca ao reconhecimento dos direitos fundamentais.

Essa cláusula também está prevista no art. 5º, em seu parágrafo segundo, estabelecendo que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou, de forma original, dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Isto quer dizer que há uma abertura material para o reconhecimento de outros direitos fundamentais que topograficamente não estejam listados nem no catálogo do art. 5º, nem no Título II da Constituição e/ou nem mesmo na própria Constituição. Logo, podemos falar de uma não tipicidade que define um regime de direitos fundamentais.

Aliás, nesse mesmo sentido, já entendeu o STF que o rol dos direitos fundamentais (que são cláusulas pétreas – art. 60, §4o ,inciso IV da CRFB/88) é meramente exemplificativo, visto que podemos depreender novos direitos implicitamente como também pela incorporação de tratados internacionais de direitos humanos (art. 5o §§ 2o e 3o da CRFB/88).

A hierarquia dos tratados internacionais sobre direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro

Hoje temos o reconhecimento máximo, sob o plano normativo-formal, da prevalência dos DH como fonte de referência para o Direito brasileiro, bem como os Poderes do Estado e seus agentes e para toda a sociedade civil.

Além dos parágrafos 1º e 2º do artigo 5º, a Emenda 45 de 2004 acrescentou mais um parágrafo terceiro:

“ § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

O mencionado dispositivo é de extrema relevância, pois dá aos tratados de DH uma hierarquia normativa superior a da lei no sentido formal (lei ordinária ou lei complementar), fazendo com que os mesmos tenham o status de norma constitucional derivada (Emenda constitucional).

Para tanto, a aprovação deste tratado deverá observar procedimento mais qualificado, bastante rígido:

  • Aprovação em dois turnos;
  • Em cada casa em separado (Câmara e Senado Federal);
  • Quórum de três quintos dos membros.

O sistema de garantias constitucionais dos direitos fundamentais

O mundo contemporâneo tem revelado sistemas de garantias dos direitos fundamentais variados, que incorporam muitas experiências diferentes, em distintos níveis normativos. Muitas delas se repetem nos diferentes países, especialmente se considerado o mundo ocidental. Veja-se, por exemplo, a proteção à liberdade de ir e vir internacionalmente adotada pelo Habeas Corpus ou instrumento equivalente.

A Constituição de 1988 prestigia uma estrutura protetiva, ao menos no plano normativo (já que nem sempre a previsão em texto de lei corresponde a uma real e efetiva proteção), bastante extensiva e que contempla um sistema de proteção que pode ser articulado em circunstâncias distintas, levando em conta o tipo de violação perpetrada contra o direito fundamental considerado, a estrutura procedimental oferecida e a quem compete acionar esse sistema de proteção.

Também podemos falar em um sistema genérico que não foi especialmente concebido para a proteção de direitos fundamentais, mas que tem nos direitos sua última finalidade.

E há, ainda, um sistema previsto explicitamente para a proteção dos direitos fundamentais que se compõe de figuras jurídicas constitucionais garantidoras dos direitos fundamentais (que trata das ações voltadas para proteção de direitos fundamentais, chamadas de remédios constitucionais); assim como do incidente de deslocamento de competência, como veremos adiante.

Em ambos os sistemas, ressalta-se a importância do Poder Judiciário como estrutura do Estado, à qual é atribuída a missão de zelar pela cidadania, com a entrega da prestação jurisdicional, em situações de conflito entre as pessoas, assegurando que os direitos fundamentais sejam respeitados.

O sistema genérico basicamente se organiza em torno de dois grandes eixos:

  • O modelo de controle de constitucionalidade:

O controle de constitucionalidade tem por finalidade assegurar que toda a produção normativa do Estado seja feita em conformidade com a Constituição. Logo, o controle busca suprimir a incompatibilidade expressa ou implícita entre a norma infraconstitucional com dispositivo que conste expressamente na Constituição.

O sistema de controle adotado pela Carta de 1988, oferece um leque variado de possibilidades que leva em conta alguns critérios para a caracterização do modelo que adotamos.

O sistema brasileiro se admite um controle chamado de misto:

    Controle político, que deve ser, em regra, preventivo, exercitado pelo próprio Poder Legislativo;
    Controle jurisdicional que:

é repressivo, e pode se dar na modalidade indireta (no bojo de qualquer ação qualquer) quando efetuado por todas as instâncias jurisdicionais;
na modalidade direta, através das ações especialmente desenhadas para o controle de constitucionalidade – controle direto - cuja competência, na esfera federal, no que toca a Carta de 1988, é do Supremo Tribunal Federal.

Entre as ações de controle direto, há duas espécies tratam explicitamente da proteção dos direitos fundamentais. São elas:

Ação de descumprimento preceito fundamental (ADPF)
A ADPF está prevista no art. 102, § 1º da Constituição. Tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público ou quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual, municipal, incluídos os anteriores à constituição.

Pela redação do caput do art. 102, é possível notar a enorme abrangência da ADPF que pode ser utilizada não apenas para censurar atos normativos, mas os atos administrativos e até os judiciais, inclusive atos normativos anteriores a promulgação da Constituição, como por exemplo, contratos administrativos, editais de licitação de concurso, decisões dos tribunais de contas. Logo, esses atos ficariam, também, sujeitos ao crivo do controle concentrado de constitucionalidade – o que não seria possível na tradicional via da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

A doutrina tem entendido que os preceitos fundamentais são os princípios fundamentais, os direitos fundamentais, as cláusulas pétreas e os princípios constitucionais. Daí sua relevância no sistema de proteção dos DH. Hoje, a ADPF está regulamentada na Lei n. 9882.
Ação direta interventiva (ADIN interventiva)
A ação direta interventiva (art. 36, III da CRFB/88) é uma modalidade de controle de constitucionalidade concreto e concentrado para um conflito federativo, proposta na esfera federal pelo chefe do Ministério Público Federal, o Procurador-Geral da República, quando um dos Estados membros desrespeita lei federal ou um dos princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII da CRFB/88). Entre eles, se encontra a DIGNIDADE HUMANA.

As figuras jurídicas constitucionais garantidoras dos direitos fundamentais

Os remédios são instrumentos processuais que visam assegurar o exercício dos direitos fundamentais quando violados. São eles:

HABEAS CORPUS

Significa “tomes o corpo do delito”. É uma ação gratuita que visa proteger a liberdade de locomoção, e dispensa a necessidade de advogado. Ela pode ser proposta a seu favor ou de terceiro, preventiva (quando se há ameaça à liberdade) ou repressivamente – art. 5o, inciso LXVIII da CRFB/88.

MANDADOS DE SEGURANÇA

Ação que pode ser individual ou coletiva, que visa proteger direito líquido e certo, ou seja, aquele que pode ser provado de plano, isto é, só pode ser provado por provas documentais irrefutáveis e apto a ser exercido no momento da impetração, que não seja protegido por habeas corpus ou habeas data quando se sofre uma ilegalidade de poder por uma autoridade pública. (art. 5o, incisos LXIX e LXX da CRFB/88 e LEI Nº 12.016, DE 7 DE AGOSTO DE 2009.

HABEAS DATA

Significa “tomes a informação”. Segundo José Afonso da Silva “tem por objeto proteger a esfera íntima dos indivíduos contra: a) usos abusivos de registro de dados pessoais coletados por meios fraudulentos, desleais ou ilicítos; b) introdução nesse registro de dados sensíveis; c) conservação de dados falsos ou com fins diversos autorizados em lei”. É uma ação gratuita. (art. 5o , inciso LXXII da CRFB/88, Lei 9507/97 e súmula 2 do STJ).

MANDADO DE INJUÇÃO

Remédio que objetiva garantir a toda pessoa a eficácia plena de direitos fundamentais assegurados pela Constituição, de forma que busque obrigar o Poder Público a estabelecer norma regulamentadora – art. 5o, inciso LXXI da CRFB/88 LEI Nº 13.300, DE 23 DE JUNHO DE 2016.

AÇÃO POPULAR

Ação gratuita própria de cidadão em sentido estrito que visa proteger atos lesivos ao patrimônio público ou de entidades que o Estado participe, a moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico – art. 5o , inciso LXXIII da CRFB/88 e lei 4717/65 e súmula 35 do STF.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Remédio cabível para defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente e de interesses difusos e coletivos e tem a sua única previsão constitucional no art. 129, inciso III. (Lei 7347/85).

O incidente de deslocamento de competência:

O Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) foi trazido pela Emenda Constitucional no. 45 de 2004. Entre as várias novidades introduzidas pela emenda, o IDC permite ao Procurador-Geral da República, nos casos de grave violação aos Direitos Humanos, suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, a remessa do caso para a Justiça Federal que passaria a ter competência para processar a violação.

ART 109 5CF
 Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. 

DH e a comunidade internacional

Um dos grandes desafios das sociedades contemporâneas, que se desdobra em suas ordens jurídicas, é a proteção dos direitos humanos, o que ganha especial relevo na esfera internacional e na forma como os Estados nela se articulam e se posicionam.

Tal relevância, por sua vez, pode ter seu marco temporal moderno na Segunda Guerra Mundial, que lançou as bases para a consolidação de um discurso de proteção ao ser humano para além das fronteiras geográficas do Estado Nação.

Por outro lado, esses desafios, na atualidade, podem ser sistematizados em quatro tipos que podem se combinar:

  • As questões de violações em razão de conflitos bélicos internos ou mesmo externos;
  • O baixo grau de institucionalidade de certos estados que colocam em risco a própria noção do rule of law.
  • Problemas vinculados à pobreza extrema que colocam sob ameaça a própria existência humana;
  • Os riscos aos regimes democráticos que compõe o sistema internacional.
Rule of Law
A ideia do rule of law “remonta à primeira manifestação concreta do constitucionalismo: a Magna Carta Libertatum. Na Inglaterra, ano de 1215, o Rei João Sem Terra foi coagido pelos barões ingleses a prometer obediência à Magna Carta Libertatum, por eles idealizada. Esse precioso documento pode ser considerado o principal precursor de todas as futuras Declarações de Direitos, eis que representa a autoridade do governo exercida em concordância com as leis existentes. José Joaquim Gomes Canotilho entende que mesmo com as variações do princípio rule of law no tempo, o instituto contém quatro dimensões bem nítidas: The rule of law significa, em primeiro lugar, na sequência da Magna Charta de 1215, a obrigatoriedade da observância de um processo justo e legalmente regulado, quando se tiver de julgar e punir os cidadãos, privando-os de sua liberdade e propriedade. Em segundo lugar, importa na proeminência das leis e costumes do país perante a discricionariedade do poder real. Por conseguinte, aponta para a sujeição de todos os atos do Executivo à soberania do parlamento. Por fim, rule of law terá o sentido de igualdade de acesso aos tribunais por parte dos cidadãos, a fim destes defenderem os seus direitos segundo os princípios de direito comum dos ingleses (Common Law) e perante qualquer entidade (indivíduos ou poderes públicos). Analisando a questão mais a fundo, verifica-se que o rule of law tem como verdadeiro substrato o princípio da legalidade. Nessa esteira de pensamento, tem-se que um Estado que não respeita os direitos humanos ou, até mesmo, não se pauta na democracia pode muito bem existir sem o princípio rule of law. Todavia, trata-se de preceito considerado pressuposto lógico da Democracia, que se revela como verdadeira garantia contra o despotismo ao se firmar como suporte legal ao Estado Democrático de Direito”.

A proteção de DH em contextos históricos distintos

A proteção de DH tem contornos distintos se levarmos em conta os contextos históricos em que essa discussão se coloca.

Nesse sentido, o desenho da proteção de DH tem se influenciado também pelos tipos de violações aos direitos humanos – o que se traduzirá em redes de política externa e compromissos jurídico-políticos assumidos frente a comunidade internacional e seus organismos. Esses arranjos integram o que chamamos de Direito Internacional Público.

Podemos ainda dizer que o Direito Internacional Público passou por um desenvolvimento histórico agrupado, segundo Jorge Miranda (2000), em oito momentos distintos e como consequência segue atualmente algumas tendências:

Universalização

O Direito internacional é um Direito universal e não é mais um Direito euroamericano a partir da desintegração dos impérios marítimos europeus e do império continental soviético.

Regionalização

Solidariedade e cooperação entre Estados dentro de determinado espaço regional. Como exemplo, cita-se a criação da União Europeia.

Institutocionalização

O Direito Internacional deixa de ser um direito das relações entre Estados para se tornar mais presente nos organismos internacionais, como a ONU.

Funcionalização

O Direito Internacional extravasa a esfera das relações externas e penetra nas matérias pertencentes tanto ao direito interno como ao próprio contexto das relações internacionais.

Humanização

Aspecto humanizador do Direito Internacional que se apresenta com o surgimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, desde a Carta das Nações Unidas em 1945, o desenvolvimento da Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948, e os vários tratados internacionais surgidos no pós-guerra, que se voltaram para a proteção dos direitos humanos.

Objetivação

Criação de regras e normas internacionais, presentes no moderno Direito Internacional, que são independentes e livres da vontade dos Estados.

Codificação

A Carta das Nações Unidas prescreveu em seu artigo 13 o incentivo ao desenvolvimento do Direito Internacional e sua codificação o que é realizado pelas comissões de Direito Internacional e de Direitos Humanos da própria ONU.

Jurisdicionalização

Com o desenvolvimento das regras de proteção internacional dos direitos humanos aumenta-se a necessidade de criação de tribunais internacionais, como por exemplo o Tribunal Penal Internacional.

A Organização das Nações Unidas

A ONU, abreviação de Organização das Nações Unidas (UN, United Nations, em inglês) é uma instituição supranacional, isto é, além dos Estados nação, tem por objetivo principal garantir a paz no mundo mediante o relacionamento amistoso entre os países. Está situada em Nova York, nos Estados Unidos.

Essa organização tem com objetivos:

  • Salvar as gerações futuras do flagelo da guerra;
  • Reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais;
  • Criar as condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações emanadas de tratados e outras fontes do direito internacional possam ser mantidos;
  • Promover o progresso social e melhores padrões de vida num cenário de maior liberdade.

Apesar de sua importância no mundo contemporâneo, como grande defensora de DH, cabe ressaltar que a ONU não dispõe de poder de coerção (salvo para os casos relacionados às ameaças contra a paz e à segurança internacionais e que estão previstos no capítulo VII da Carta).

Ainda assim, suas decisões tem importância pelo significado ético-humanitário.

A Carta das Nações Unidas

A Carta das Nações Unidas de 1948, ou também chamada de Carta de São Francisco, é o documento que concebeu a ONU e procurou estabelecer, como uma de suas prioridades, a criação de um sistema internacional que protegesse os Direitos Humanos de forma ampla.

Adotada e assinada em 26 de junho de 1945, passou a ter vigência no dia 24 de outubro de 1945. A Carta estimula os direitos às liberdades fundamentais sem distinção por motivos de sexo, raça, religião ou idioma.

No entanto, tal propósito se tornou, e ainda se torna, dificultoso pela necessidade de não ingerência dessas determinações dentro dos assuntos internos dos Estados signatários da Carta.

O Tribunal Penal Internacional – TPI

O Tribunal Penal Internacional/TPI, conhecido como Internacional Criminal Court (ICC) em inglês ou Court Pénale Internacionale (CPI) em francês, é uma organização independente, não pertencendo a ONU e que foi criada pelo Estatuto de Roma em 2002.

Tem por finalidade processar e julgar, subsidiariamente ao Poder Judicial dos Estados (isto é, se não houver julgamento interno pelo Estado) acusados de crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão.

Genocídio
Nos termos do art 6º do Estatuto de Roma, entende-se por genocídio qualquer um dos atos praticado com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:
• Homicídio de membros do grupo;
• Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo;
• Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial;
• Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo;
• Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.
Crimes contra a humanidade
Estão previstos no art. 7º e são entendidos quando cometidos no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque. Caracterizam-se por:
• Homicídio;
• Extermínio;
• Escravidão;
• Deportação ou transferência forçada de uma população;
• Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional;
• Tortura;
• Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;
• Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3o, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal;
• Desaparecimento forçado de pessoas;
• Crime de apartheid;
• Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.
Crimes de guerra
São definidos pelo Estatuto tendo como base as violações graves do direito internacional humanitário contidas principalmente nas Convenções de Genebra e seus Protocolos adicionais de 1977. Pressupõe-se que sejam cometidos dentro de um contexto de guerra e que o crime tenha relação com esta. O que diferencia os crimes de guerra dos crimes contra a humanidade é a necessidade de existência de um conflito, tenha ele caráter internacional ou não.
Crimes de agressão
Tendo em vista a controvérsia que existe a seu respeito, o Estatuto de Roma deixou a questão por ainda ser definida.

Continuando nosso estudo sobre o TPI, vamos nos apropriar das explicações que o Itamaraty nos oferece:

“O Brasil apoiou a criação do Tribunal Penal Internacional, por entender que uma corte penal eficiente, imparcial e independente representaria um grande avanço na luta contra a impunidade pelos mais graves crimes internacionais. O Governo brasileiro participou ativamente dos trabalhos preparatórios e da Conferência de Roma de 1998, na qual foi adotado o Estatuto do TPI.

Com sede em Haia (Países Baixos), o TPI iniciou suas atividades em julho de 2002, quando da 60ª ratificação ao Estatuto [...]. O TPI julga apenas indivíduos – diferentemente da Corte Internacional de Justiça, que examina litígios entre Estados. A existência do Tribunal contribui para prevenir a ocorrência de violações dos direitos humanos, do direito internacional humanitário e de ameaças contra a paz e a segurança internacionais. O Brasil depositou seu instrumento de ratificação ao Estatuto de Roma em 20 de julho de 2002, sendo incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 4.377, de 25 de setembro de 2002.”

O Itamaraty adverte “como qualquer instrumento jurídico internacional, o Estatuto de Roma é produto de seu tempo e é passível de ajustes para seu aprimoramento.”

E ainda para o Itamaraty, “O Brasil tem exercido papel de liderança nas reuniões em que os Estados partes tratam de ajustes com vistas a promover maior aceitação e a consolidação do TPI – a exemplo das discussões que levaram à adoção, em 2010, na Conferência de Revisão de Campala (Uganda), das emendas relativas ao crime de agressão, que estabelecem as condições para que o TPI possa exercer sua jurisdição sobre esse crime”.

Para alguns autores o TPI marca uma nova era na História do Direito internacional e das Relações Internacionais.

Intervenções Humanitárias

Conflitos geram impactos sobre os direitos humanos – considerados, no mundo contemporâneo, como eixo de proteção da pessoa humana, tanto na esfera interna dos Estados quanto na esfera internacional.

A Carta da ONU estabelece o princípio da não intervenção como norteador da conduta dos Estados no âmbito internacional.

A Carta, em seu artigo segundo, itens 3 e 4, estabelece que “todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais” e que “todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas”.

No entanto, no mesmo documento, o artigo 42 do capítulo VII preconiza o uso da força (aérea, naval ou terrestre) para manter ou reestabelecer a paz e a segurança.

Tais dispositivos nos permitem concluir que se não se cita explicitamente na Carta a intervenção armada com justificativa humanitária, também não se cita nenhuma proibição à guerra, seja ela justa ou injusta. Dessa forma, a resposta para as intervenções humanitárias não está estampada na norma de Direito Internacional.

Há, porém, que sustente que é possível estabelecer duas exceções a esse princípio:
I. legítima defesa individual ou coletiva;
II. quando o Conselho de Segurança da ONU (CS) determinar que uma situação constitui uma ameaça à paz ou segurança internacional.

A questão fica ainda mais complexa quando as intervenções, ditas humanitárias, e geral com o uso de força bélica, ocorrem sem que o estado que sofre a intervenção tenha solicitado a presença de ajuda externa, como no caso do Kosovo em 1999, ou na Líbia em 2011, ou mesmo quando não houver a autorização do CS da ONU.

Para aqueles que admitem as intervenções, quando há o intuito protetivo e ações respaldadas no discurso da necessidade de defesa de DH, sustenta-se que mais importante do que a soberania de um estado que agride seus próprios habitantes é a proteção aos direitos.

Nesse cenário, a intervenção humanitária não deve ser vista somente como um instrumento justificador para que potências econômicas e militares aproveitem de sua superioridade para adentrar o território de outro estado que possua, por exemplo, riquezas de interesse do Estado interventor. Há, nessas ações, a responsabilidade de proteger, baseado nos DH, que impõe uma obrigação de agir em prol dessa proteção.

A proteção internacional de DH

A proteção internacional dos direitos humanos se organiza em dois níveis que funcionam de forma complementar. Assim, falamos em um sistema global e em sistemas regionais.

O Sistema Global de DH:

  • O sistema global se organiza a partir da ONU e é também conhecido como sistema universal e tem sido fonte de inspiração dos demais níveis de proteção dos direitos humanos.
  • Nos termos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o sistema tem uma vocação universalista, já que se destina a todas as pessoas em todos os lugares. Como estabelecido no preâmbulo da Declaração, ele se coloca como ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade se esforcem:
    • - Pelo ensino e pela educação.
    • - Por desenvolver o respeito dos direitos e liberdades.
    • - Por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efetivos tanto entre as populações dos próprios estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.

Documentos internacionais de defesa de DH (no âmbito do Sistema Global de Proteção de DH)

  • Declaração Universal de Direitos Humanos:
    • O Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos tem como principal fonte normativa a chamada Carta Internacional de DH que é o conjunto de vários documentos voltados para a promoção e proteção dos DH, como veremos adiante. Entre eles está a Declaração Universal dos Direitos Humanos (chamada de Universal Declaration of Human Rights - UDHR, em inglês).
    • Em Paris, França, no dia 10 de dezembro de 1948, a Declaração foi adotada e proclamada pela Resolução n. 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas.
    • Este instrumento é considerado o marco inicial do Direito Internacional dos Direitos Humanos e, consequentemente, da tutela universal dos direitos humanos, que visa à proteção de todos os seres humanos, independente de quaisquer condições.
    • Registramos que a Declaração Universal de Direitos Humanos não é um tratado (isto é um documento pactuado entre os Estados signatários), mas se trata de uma resolução da Assembleia Geral da ONU, sem força de lei, no sentido estrito da palavra.
Apesar disso, a verdade é que, desde cedo, a Declaração Universal ganhou força, tanto no campo legal, como no político. Considerada como forma de direito costumeiro, no âmbito internacional, ela tem servido para a elaboração dos tratados sobre direitos humanos. Na esfera interna dos Estados tem servido de inspiração normativa, pois vários de seus dispositivos vieram a ser incorporados por constituições de muitos Estados. Inclusive, em várias oportunidades, seus dispositivos têm sido invocados por tribunais nacionais como direito costumeiro e fonte de interpretação de dispositivos sobre a matéria de DH.
Este documento simbólico estabelece que os Estados-partes devem promover a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Dessa forma, impõe a necessidade de efetivação desses direitos – o que se opera mediante a ideia de vigilância, com a adoção de um sistema de monitoramento, supervisão e controle.

Instrumentos normativos gerais e especiais

O Sistema da ONU é integrado por instrumentos normativos gerais e especiais e por organismos e mecanismos de vigilância, supervisão, monitoramento e fiscalização dos direitos humanos.

Instrumentos Gerais:

  • São, principalmente, aqueles que integram a chamada Carta Internacional de Direitos Humanos, que é composta por três documentos:
    • Declaração Universão dos Direitos Humanos de 1948
    • Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966
    • Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,Sociais e Culturais de 1966
  • Eles são chamados de gerais porque se dirigem a toda e qualquer pessoa humana, sem qualquer tipo de distinção.

Instrumentos Especiais:

  • Os instrumentos normativos especiais são voltadas, fundamentalmente, à prevenção da discriminação ou à proteção de pessoas ou grupos de pessoas particularmente vulneráveis, que merecem tutela especial.
    • 01 - Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes
    • 02 - Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial
    • 03 - Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher
    • 04 - Convenção sobre os Direitos da Criança
    • 05 - Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio

Os mecanismos de efetivação dos Tratados de DH (no âmbito do Sistema Global de Proteção de DH)

  • Segundo o jurista italiano Norberto Bobbio (1992), as atividades internacionais na área de proteção dos direitos humanos podem ser classificadas em três categorias: promoção, controle e garantia. Vejamos cada uma delas...
As atividades de promoção compõem o conjunto de ações destinadas ao fomento e ao aperfeiçoamento dos DH pelos Estados.
As atividades de controle tratam das ações que cobram dos Estados a obervância das obrigações por eles contraídas internacionalmente e manifestadas nos tratados internacionais dos quais são signatários.
A atividade de garantia por sua vez, diz respeito à jurisdição internacional que deve se impor concretamente sobre as juridições nacionais. Essa modalidade de proteção dos direitos deixa de operar dentro dos limites político-geográficos dos Estados, mas contra estes mesmos Estados e em defesa dos cidadãos. Assim, são criados orgãos que tem por finalidade a aplicação dos tratados internacionais em prol dos DH, quando violados pelo próprio Estado.
  • Assim, buscando a vigilância, supervisão, monitoramento e fiscalização do cumprimento dos instrumentos normativos gerais e especiais de proteção aos DH foram criados organismos e mecanismos extraconvencionais e convencionais.
Os convencionais, como o próprio nome expressa, são aqueles pactuados pelos Estados que participam dos tratados de DH e, portanto, já previstos no documento protetivo. São chamados em inglês de treaty-monitoring bodies (órgãos de monitoramento de tratados).* *Os extraconvencionais, por sua vez, não estão baseados em acordos específicos, e são extraídos de uma interpretação alargada dos objetivos da ONU de proteção dos DH e do dever de cooperação dos Estados em perseguir esses objetivos.
  • Gianella e Castanheira (2016) afirmam que os mecanismos de proteção aos DH também podem operar tanto ao serem provocados pelo interessado (sistema de petições), quanto ex officio (sistema de relatórios e investigações):
O sistema de petições
Consiste nas reclamações individuais ou de Estados, cujas condições de admissibilidade estão consignadas nos respectivos instrumentos de direitos humanos que as prevêem.
Não raras vezes podem surgir problemas pela utilização simultânea ou sucessiva de procedimentos distintos de petição, diante da multiplicidade e diversidade dos tratados na esfera mundial e regional. A configuração da "mesma matéria" sendo tratada por diferentes órgãos internacionais, em procedimentos distintos, é averiguada em relação ao objeto da causa ratione materiae e em relação às partes ratione personae.
Configurada a identidade, tem prevalência para examinar a questão o órgão da Convenção que der a mais ampla proteção ao direito lesado.
Em princípio, cabe ao reclamante escolher qual o procedimento, entre os previstos nos instrumentos coexistentes, que considere mais favorável a seu caso, pois terá que arcar com a solução dada. O direito internacional pretende ser um droit de protection o mais efetivo possível e, assim, não condiciona nem limita o uso dos instrumentos internacionais, deixando o caminho livre ao reclamante.
O sistema de relatórios
É um método de controle dos direitos humanos exercido ex officio pelos órgãos de supervisão internacional instituídos nos tratados, ou pelos Estados-partes.
Diversos tratados de direitos humanos dispõem que os Estados-partes devem enviar relatórios periódicos aos órgãos de supervisão, a fim de informarem sobre o cumprimento dos pactos. Recebidos os relatórios, os órgãos de supervisão, por sua vez, elaboram seus relatórios, que eventualmente servem de base para tomada de medidas contra os Estados-partes.
Os procedimentos de investigação
Podem ser permanentes ou ad hoc. Os primeiros são institucionalizados, pois previstos nos tratados para situações específicas. Os últimos decorrem indiretamente do sistema de relatórios e de petições, uma vez que se iniciam a partir do recebimento de uma comunicação de violação aos direitos humanos

Essas investigações compreendem visitas in loco, contratação de profissionais peritos em determinadas matérias para avaliarem as queixas, oitiva de testemunhas e produção de provas em geral.

No que toca ao Sistema Global temos três organismos e mecanismos de proteção:

    • O Conselho de Direitos Humanos da ONU;
    • Os Comitês de Direitos Humanos da ONU;
    • Os Relatores Especiais e os Grupos de Trabalho.

Os Sistemas Regionais de DH

  • O aparecimento e o desenvolvimento dos sistemas regionais de proteção de DH têm confirmado a crescente internacionalização dos direitos humanos em esfera regional.
  • Esse fenômeno confirma a ideia de que a proteção dos direitos humanos não deve ser reduzida ao nível interno-nacional, já que ela manifesta um interesse internacional legítimo e que tem se desdobrado também em proteção em níveis distintos, com diferentes amplitudes territoriais.
  • Hoje temos três grandes Sistemas Regionais:
    • O sistema Interamericano de DH
    • O sistema Europeu de DH
    • O sistema Africano de DH
  • O formato clássico dos sistemas de proteção regional foi definido na Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950, com a criação de uma comissão e uma corte. Hoje, porém, os sistema regionais podem adotar também formatos diferentes.
  • Como já visto, os sistemas regionais se encontram geograficamente localizados e seguem em linhas gerais um desenho básico similar:
a adoção de um catálogo de direitos a serem observados pelos povos e Estados que adotaram o sistema;
em seguida, os sistemas criam mecanismos para assegurar o cumprimento dessas normas.
  • O procedimento é comum nos três sistemas: uma vez que uma determinada pessoa tenha percorrido todos os caminhos disponibilizados internamente por sua ordem jurídica, para ter seus direitos protegidos e houve recusa de proteção pela jurisdição de seu Estado, ela pode se dirigir à Comissão de Direitos Humanos criada pelo sistema regional.
  • Nesse sentido, os sistemas regionais têm um caráter subsidiário, pois não devem se substituir à jurisdição do Estado, mas podem ser acionados quando o Estado falha na proteção dos direitos humanos/fundamentais.
  • Em comparação com o sistema global, nos sistemas regionais, temos a possibilidade de definir os direitos humanos a partir de uma perspectiva regional e adotar mecanismos de cumprimento que se adequem melhor à realidade local.